terça-feira, 16 de maio de 2017

O ENCONTRO - Página 7

          Enquanto meus olhos teimavam em embaçar as lentes dos meus óculos, como uma forma proposital de impedir de ler aquele bilhete, que por razões incoerentes mas racionalmente incompreensível, tinha grande expectativas, Por instantes divaguei.    Enquanto desdobrava o bilhete, meticulosamente dobrado como a roupa de uma passadeira que depende do seu emprego para levar o sustento a casa, lembrara que em apenas um dia meu coração se encantara por uma menina que aparentava tristeza, mas exalava doçura, tal qual o perfume do nardo de alabastro que invadiu a casa de Simão. Suas mãos, que se esfregavam numa sintonia insana, me encorajaram a conhecê-la e agora eu estava a segundos de saber se minha quimera se transformaria em realidade.
Abri o bilhete e comecei a ler. 

“Oi, desculpe ter saído assim, você foi tão bom comigo que eu não queria abusar mais da sua bondade.
Eu sou um problema, fugi de minha casa e estou tentando voltar e não poderia te envolver ainda mais nas minhas atrapalhadas.
Assim que te encontrei, a primeira coisa que você falou, foi D’us ouvir suas orações, isso aconteceu justamente quando ele ouviu a minha em enviar alguém para conversar comigo, pois estava quase desesperada.
 Talvez você nunca saiba o quanto me ajudou naquele momento e sei que está disposto em me ajudar, para isso gostaria que orasse para que meus pais me perdoassem por tudo que fiz. 
Muito obrigada, se um dia for a Macuco, pode me procurar vou ter um enorme prazer em recebê-lo.  Meu número é...”

          Faltavam os dois números finais. Que isso!  Disse em pensamento, de uma forma que muitos me olharam assustados. Eu não sabia se estava falando sozinho ou pensando alto.  Fiquei desconsertado pela reprovação. 

         Continuamente sacudia o bilhete como se os números pudessem reaparecer daquela parte em que o perfume da senhora apagou os dois últimos números.
O que fazer?  Ligar para todas as possibilidades? Mas seriam cem números a ligar, não teria crédito para isso.  O que vou fazer?

        Apressei-me em chegar ao meu trabalho porque estava muito atrasado e talvez alguém lá pudesse me dar uma sugestão.  Meus passos apressados desviando das pessoas na calçada, lembrava os bons tempos de Mario Andretti na fórmula Indy, quando em circuitos ovais, saia em uma posição bastante desfavorável e necessitava de velocidade e técnica para chegar à frente. 
          Depois de muitos passos largos para chegar ao meu trabalho, ao longe vi uma longa fila para usar o elevador, percebi que eu não era o único a chegar atrasado.  Era esperar ou subir quinze andares.  Não, não conseguiria, vim mais rápido que pude, estava ofegante, suado e desalinhado. Em meus pensamentos não sabia se estava vindo rápido para não chegar tão atrasado ou por ter a esperança de que alguém me ajudaria a descobrir os números que faltavam no bilhete.

Não sabia qual era a maior incógnita, o bilhete faltando dois números, ou meus pensamentos desencontrados.    









Escreva que eu leio e respondo. . . mas ñ xingue

sábado, 6 de maio de 2017

O ENCONTRO - página 6

Antes de ela começar a me dizer qual fora o motivo do favor.   Ela como toda senhora gosta de falar sobre o saudoso marido e o quanto ele foi bom para ela, emendando sempre uma qualidade a outra, como no dia em que foi buscá-la no serviço, por estar chovendo e ela sem guarda-chuva.  Eu fingia que a ouvia atentamente, mas aguardava ansiosamente que ela retomasse a conversa no ponto em que eu a perguntei sobre o favor, e enfim, que se encerrasse toda sua história.  Enquanto ela continuava a contar, eu divagava, percebendo o quanto angustiante pode ser um minuto... dois minutos... três minutos... sei lá.  Não conseguia mais dar conta do tempo.
 
Dei-me conta sim, que não fazia sentido estar ali, daquele jeito, como alguém que se levanta assustado no meio da noite, após um pesadelo.  Meus pensamentos se atropelavam como uma multidão de pessoas refugiadas, famintas, atrás dos caminhões de ajuda humanitária em busca de um pão.

Ao meu redor, diminuía a cada estação a quantidade de pessoas e era isso que me fazia perceber que meu tempo estava se esvaindo tal qual rios do nordeste do Brasil que estão desaparecendo a cada verão.

Foi quando a senhora se desculpou e disse:
- Ah, meu querido, desculpe.  Eu aqui falando sem parar... Mas o que você me perguntou mesmo?
Um misto de ironia e alívio passaram a correr junto com meu sangue por minhas veias, e ao subir para meu cérebro, trouxe de volta o oxigênio necessário que daria claridade as minhas intenções.  

Então, sorri e lhe respondi:
- A senhora disse que ela lhe pediu um favor.  Gostaria de saber qual foi o favor.
- Ah, sim.  Ela tentou ver onde você estava e não conseguiu, aí me deu um bilhete e me pediu para te entregar.  Sabe meu filho, eu sou boa de guardar aparência de uma pessoa.  Uma vez quando ainda trabalhava, eu era enfermeira, trabalhei anos no Grafe Guinle.  Ih, aquele hospital era muito bom, hoje está uma bagunça.  Você sabe, agora ninguém quer mais pensar nos outros, só em si mesmo. . .

Numa tentativa de interrompê-la de modo ameno, concordava, maneando a cabeça e olhava constantemente o relógio, apesar de que nos dias de hoje as pessoas só usam o relógio como um acessório e às vezes são tão complexos que fica difícil até mesmo saber das horas.  Mas nesse caso não o era, meu relógio analógico me mostrava, não a hora, mas que a estação final Pedro II estava chegando.  Então, segurei as duas alças da minha mochila, ajeitei minha jaqueta e tentei me levantar. 

Minha tática funcionou e fui impedido pela senhora. Ela segurou meu braço e me disse:
- Bem, ela me deu um bilhete. 
Ao pegar o bilhete foi abrindo e falando:
- Que letra linda ela tinha.  Tenho certeza que é uma menina de boa educação.

Minha vontade era tomar o bilhete da mão dela, assim como náufrago agarra-se a algo que lhe dê condições de lutar pela vida. Como não poderia, me restava acreditar que ela logo me daria o bilhete. Foi quando outra surpresa nada agradável me sobreveio.
- Ué, cadê o bilhete?  Eu o deixei aqui. . .
Disse ela remexendo na sua bolsa, que mesmo sendo uma mulher idosa, mantinha o padrão das bolsas de mulher, que nesse caso, havia muitos mais papéis e sacos plásticos que o padrão feminino produz.

Depois de muito remexer, ela abre outra bolsa dentro da grande, e pega o bilhete.  Meus olhos sorriram em contraste com a minha razão que insistia em me pedir para ter cautela.  Por que tanta expectativa em alguém que acabara de conhecer, que na verdade nem tinha conhecido ainda.
- Aqui está!

Quando peguei o bilhete devo ter sentido a mesma emoção que um garimpeiro, que após deixar toda a família para trás, saiu mata adentro em busca da solução de todos os problemas e finalmente encontra a pepita de ouro. 
- Obrigado pela sua ajuda.  Mas que falta de educação a minha.  Nem perguntei o seu nome.
- Que isso meu filhinho.  Já vivi muito e sei o quanto você está ansioso para ver o que está nesse bilhete.  Eu que peço perdão por demorar, mas você deve ter uma vózinha também e sabe o quanto falamos demais.

Enquanto a senhora ia embora, junto com os outros transeuntes, pela primeira vez meu pensamento deixou aquele momento louco que estava vivendo e me levou, através do embalo das últimas palavras da senhora, para um lugar muito distante.  Ela disse que talvez eu tivesse uma avó... e eu não tinha mais.  Ela se fora, e mesmo há tanto tempo ainda não conseguia me acostumar a sua ausência.

Voltei ao bilhete e naquele turbilhão de sentimentos de saudades e incerteza, o abri.
















sexta-feira, 28 de abril de 2017

O ENCONTRO - Página 5

Página 5

Apesar de todo aquele burburinho de pessoas conversando e de ambulantes me empurrando com aquelas trouxas enormes, minha cabeça estava concentrada em tentar vê-la. Devido ao trem ter ficado muito tempo parado,muitas pessoas se acumularam nas plataformas, que por estarem atrasadas, entravam de modo truculento, como se os que já estavam dentro do trem fossem culpados pelo atraso.
Tudo isso me colocava ainda mais longe dela, aumentando minha angústia, ao pensar que poderia perdê-la. Foi quando em meio a tanta gente, ouvi uma voz que fez com que meu corpo todo tremesse como se estivesse com muito frio.
Tchau. . .

Tchau?  Como tchau?  Quem foi que disse?  Onde ela estava?  Será que foi ela?  Foram tantas perguntas que meu cérebro, conscientemente, não conseguia responder.  Nas pontas dos pés, tentava olhar o lugar para ver se ela ainda estava ali.
A composição, enfim, parou. Então aproveitei a oportunidade que muitos desceram, caminhei de volta para o lugar onde ela estava e como um golpe desferido com toda potência, constatei que aquele tchau, era dela.
Quase surtei. E agora? Precisava manter a minha compostura.  Mas como?  Por um instante, revi todos os amores que minha jovem vida tivera e constatei que nós homens, somos muito carentes.  E se não fosse carência?  E se for amor?  E se ela fosse resposta a minha oração?  Mas se era resposta, por que ela foi embora assim? Por quê?  Como vou vê-la de novo?  Não peguei o contato, nem deixei o meu com ela? E agora?
Segundos eternizantes me paralisaram a ponto da senhora a quem dei lugar me perguntasse:
Tudo bem meu filho?
A olhei tentando responder, mas minha lucidez havia me abandonado quando ela disse, tchau. E a senhora mais uma vez perguntou:
Meu filho, você está bem?
D’us sabendo que iria dar um vexame digno do melhor clichê televisivo, fez com que vagasse o lugar ao lado da senhora.  Sentei-me e ela novamente me perguntou:
Meu filho, você está bem?  Está sentindo alguma coisa?
Então, voltei a minha lucidez e respondi:
A senhora viu onde saltou a menina que estava ao seu lado saltou?
Calma meu filho.  Respira.  Você vai ter um ataque do coração.
Nada que ela falava me fazia sentido, parecia que minha mente estava condicionada a uma única informação, onde ela estava?  Como achá-la novamente.
A senhora percebendo que eu estava num estado de choque, pegou no meu braço, quase que me obrigando a olhá-la:
Meu filho, acalme-se.  Ela teve que saltar porque se esqueceu de algo muito importante. Ela me perguntou onde saltaria e se poderia fazer um favor.  Disse que saltaria na estação final e que sim, poderia lhe fazer um favor.  Era uma menina muito educada e que não vemos por aqui nesses dias...
Enquanto ela falava minha vontade era de dizer igual o Quico: “cale-se, cale-se”. Mas tinha que aguardar toda a fala que a senhora tivesse.  Até que lembrei que ela havia pedido um favor a senhora. E o que seria esse favor?  Será que era para mim?
Enquanto pensava, a senhora ainda falava:
Sabe que, hoje em dia, jovens educados são raros... eu tenho um neto, muito bonzinho, mas tem dias que ele é terrível... só pode ser aqueles amigos que ele tem... já falei para a mãe dele.
Apesar da impaciência, alimentada por minha curiosidade, consegui interromper a fala da senhora:
É verdade, mas ela disse que lhe pediu um favor?
Ah sim, ela me pediu... que menina doce...

Desculpe perguntar, mas qual foi o favor? ­­­­



Escreva que eu leio e respondo. . . mas ñ xingue




quarta-feira, 26 de abril de 2017

O ENCONTRO - página 4

Por um momento voltamos a realidade que estávamos em um trem quando um ambulante entrou gritando, propagando suas mercadorias.  Após o susto, rimos e continuamos a conversa:
Se eu tentasse pegar o ônibus, meus pais saberiam em 15 min e algum amigo deles logo estaria lá na rodoviária para me impedir de viajar.  Minha cidade é muito pequena.
Mas o que você fez era perigoso.  Seu tio não percebeu nada?
Não, ele é meio surdo (risos). Não sei nem como ele ainda consegue dirigir caminhão, ele é muito barbeiro... eu entrei e saí e ele não percebeu nada. 
E quando chegou aqui, o que fez? Onde ficou?
Eu tinha o endereço dele, mas não conhecia nada por aqui.  E para piorar, assim que cheguei me roubaram o pouco que tinha.  Consegui um lugar que tinha WiFi e tentei falar com ele, mas ele não me respondeu.  Enviei várias mensagens, até tentei ligar, mas sempre dava caixa postal.  A princípio achei que ele tivesse com algum problema no celular. É que na minha cidade o celular vive mais com problemas do que funcionando.
Isso não é privilégio só da sua cidade. 
Até que consegui falar com ele, mas ele me tratou diferente quando disse que estava no Rio e não tinha onde ficar. Disse que tinha que desligar e me ligaria.
Ele ligou?
Não, mas me respondeu no WhatsApp...
Mais uma vez ela pausou sua fala, que naquele momento me parecia de ser de vergonha, mas continuou
ele um dia me chamou no WhatsApp e disse que não era uma boa ideia eu ter vindo, pois a mãe dele não iria me aceitar na casa dele.  Que se eu tivesse alguma tia ou outro parente qualquer, daria para ele me visitar. Então perguntei o que iria fazer agora?  Ele me disse para me virar e me bloqueou.
Subitamente um ódio me sobreveio e se tivesse superpoderes iria voando até esse cara e quebraria a cara dele.  Mas não era super-homem nem teria coragem para isso.  Voltando a minha realidade perguntei:
E então, o que você fez?
Resignada, me olhou de uma forma envergonhada e com a cabeça baixa, falou sussurradamente
Não fiz. Há três dias que ando de trem de um lado para o outro.  Estive em algumas igrejas para ter o que comer.
E onde você dormia?
Conheci umas meninas que me levaram para dormir numa igreja. Por fim, consegui juntar um dinheiro para comprar a passagem de volta...­­­­­­­
Um misto de preocupação e curiosidade me bateu e tive que perguntar
Como você conseguiu?
Lá onde morava, na escola, aprendi a fazer crochê e com um pouco de dinheiro que ainda tinha, comprei no Centro umas linhas e agulhas e fiz umas toucas. Vendi todas. Na verdade, eu pensei que todo meu dinheiro tinha sido roubado, mas descobri no fundo de minha mochila. Juntei tudo e vi que dava para voltar. Nem sei se tem ônibus para minha cidade.
Tem sim, aqui tem ônibus para todo lugar – de repente, um sacolejo e muitas pessoas correndo de volta para dentro do trem, e a voz mal compreendida anuncia que a composição estava de volta ao itinerário.

Junto com todas essas pessoas, entrou uma senhora e me senti na obrigação de ceder o lugar para ela e quando vi, havia tanta gente que ficou impossível poder continuar a conversar. Acabei por permitir que me empurrassem para longe. A preocupação foi iminente em não poder estar perto dela. Enfim, haviam várias pessoas entre ela e meu sonho.





segunda-feira, 24 de abril de 2017

O ENCONTRO - página 3

A pausa soou como uma grande interrogação.  O que ela veio fazer aqui? Será que aconteceu alguma coisa?  E agora, o que perguntar?  O que fazer?
Mas antes que conseguisse fazer alguma pergunta ela me diz:
- desculpe, eu aqui te enchendo com minhas bobagens.  Você não tem nada a ver com meus problemas para perder tempo me ouvindo.  Você nem me conhece para  . . .


Foi aí que deixei me levar por um impulso, e peguei aquela mão macia e cheirosa e com um sorriso de que quem estava realmente feliz, a interrompendo me apresentei:
- Oi, sou Jardel.  Também moro numa cidadezinha . .  tem internet, péssima, mas funciona . . .

Então sem percebermos, começamos a rir e toda aquela tensão se esvaíra chegando a nos olharmos nos olhos.
- muito prazer Jardel, eu sou Rita
mais uma vez, rimos, sem nos dar conta, rimos até alto.  Mas o que mais nos importava. 

Estranhamente, parecia que tudo havia mudado. Foi então que ela recolheu sua mão e eu de um modo alegre mas sério, pedi para que voltasse  a contar sua história.
- mas me diga, o que esse rapaz fez a você?

Por um instante achei que fiz a pergunta errada, pois ela desfez-se do sorriso, abaixou a cabeça, respirou fundo . . . mas recostou-se e olhando para mim, voltou a contar sobre sua história:
- nos falávamos quase todos os dias, quando a internet deixava.  Como toda menina interiorana, fascinada pela vida da cidade grande, que as novelas nos mostrava, me via aqui ao lado dele, achando que tudo seria um conto de fadas.  

Foi então que ela abriu sua bolsa e e retirou lá de dentro da carteira uma foto.  Amassada, desgastada, não pelo tempo, mas por tanto ter sido manuseada e me mostrou.
- é esse aqui!  

Por alguns segundos a voz dela embargou.  Ela então tomou-se de coragem e a rasgou . . .esse gesto me deu ainda mais força para acreditar que algo de verdade estava acontecendo, mesmo sem me dar conta que tudo estava indo tão rápido.

Enquanto jogava os pedaços do que sobrou da foto em uma lixeira que estava ao lado dela, recomeça a contar sua história.
- um dia, ele me disse que se viesse para o Rio iria me mostrar porque essa cidade é maravilhosa.  Eu já toda seduzida pelas palavras dele, encantada pelas novelas, comecei a sonhar com uma vida muito diferente da que eu vivia em Macuco, que era contar estrelas e irmos ao Clube União Maravilha, que de maravilha não tinha nada. Tudo que contava para minhas amigas, elas me incentivam dizendo que se tivesse acontecido algo assim com elas, não pensariam duas vezes, pegavam o primeiro ônibus para o Rio e se mandavam.
- mas que amigas!  Disse eu, num rompante
- não posso reclamar delas, todas nós vivíamos sonhando. . . era   . . .  sabe . . . Macuco fica perto do Rio e ao mesmo tempo muito longe. São expectativas muito diferentes.  Sabe, você sonha em ter onde se divertir, onde passear, onde  . . .
- calma!
Disse isso, me aproveitando do momento e segurando as duas mãos dela. Nesse momento, percebi que minha paixão, mesmo que momentânea estava me deixando mais preocupado em tocá-la do que ouvi-la.  Então, soltei as mãos dela e puxei minha camisa para baixo, endireitei minha coluna e como se como me sentindo o próprio Freud, retruquei:
- vamos com calma.  Temos tempo.  Me conte o que mais te chateia nesse momento. Como você chegou aqui?
- (rindo) sim doutor . . aqui, aqui?
- (rindo) não! No Rio.  Você disse que fugiu.  Já contou porque fugiu, mas não, como fugiu?  Você já é grandinha, não tem motivo para fugir.
- (rindo) grandinha . . . quantos anos acho que eu tenho?
- uns 30 . .  (rindo) brincadeirinha, deve ter uns 25 anos.

Ela entre risos e espanto ela com toda doçura que lhe era peculiar me responde:

- tenho 20, na verdade estou a porta dos 21, mas lá em minha casa a idade não era importante, mas sim o que pensam seus pais.  Os meus eram pessoas muito honestas, que criaram seus cinco filhos com o suor do trabalho da lavoura e que a mim, cuidavam com o resultado de todo esse trabalho.  Estavam aposentados e com quase todos os filhos criados.
- você era a mais nova?
- mais que isso, como eles dizem, eu era a raspa do tacho, eu tenho 8 anos de diferença para o mais novo.  Vim para aqui sem autorização deles. Um tio meu apareceu lá do nada. . . (risos incontidos)
- o que houve, por que  está rindo?
- . . . do nada  . . . tão pouco tempo aqui e já estou falando como um carioca.  É, meu tio que é caminhoneiro,  teve que entregar uma carga lá e depois viria para o Rio.  Aproveitei de um descuido dele e me escondi na boleia, desci em uma das paradas e peguei um ônibus.  Vim baldeando até aqui.
-   não seria mais fácil se pegasse o ônibus para o Rio?
- sim e não.  Você não sabe o que é morar numa cidade onde todos se conhecem.








Escreva que eu leio e respondo. . . mas ñ xingue

quinta-feira, 20 de abril de 2017

O ENCONTRO - página 2

continuação . . .

- bem, como disse, meu nome é Rita, sou de uma cidade muito interiorana do Rio de Janeiro, onde nem internet tínhamos direito.  Nasci e cresci em Macuco. É uma cidadezinha, encrostada entre morros  . . . existem prédios aqui no Rio que tem mais pessoas que toda minha cidade . . .

Tentando esconder toda minha alegria de estarmos conversando, mas sem evitar os cacoete de tocar no óculos, quando estou nervoso, acabei por interrompê-la quando falava sobre onde morava.
- (entre risos) mas como? É tão pequena assim?

Ela deu um sorriso tão lindo, que todo constrangimento de estar em um trem parado, sem ar ligado, tornou-se como uma sala de estar climatizada, em plena montanha dos Alpes Suíços.  Então ela calmamente me disse:
- sim, é muito pequena.  Tem menos de 6 mil habitantes.
Mais uma vez a interrompi e  não conseguia mais disfarçar minha alegria
- agora 5.999 . . .(risos incontidos)

Rindo, ela balançou a cabeça como que concordando, mas de repente, não mais que de repente, seu riso se desfez, sua boca, de aparência macia e de contornos iguais ao da índia Iracema, se fecharam e percebi que as lágrimas que teimavam não querer sair de seus olhos, não resistiram a mais esse sentimento e caíram. Ela de modo embargado, disse:
- talvez tenha que voltar . . . 

Diante de um abatimento tão repentino e intenso, fique atônito, porém minha preocupação  levou minha mão até aquele rosto angelical fazendo-o  erguer novamente:
- o que te fez ficar tão triste assim?

Ela, tocando minha mão que estava em seu rosto,  suavemente a retirou, mas a manteve segura entre  seus dedos. Olhou para mim, enquanto uma lágrima teimava em cair, falou de maneira dolorosa:
- fugi de casa!

Foi então que minha cabeça girou por dentro, meus olhos tremeram por dentro das pálpebras e minha boca balbuciou, como quem não acreditava no que ouvia:
- como assim fugiu? Fugiu de onde?  Fugiu por que?

Seus olhos me pediam para não julgá-la antes de que terminasse de contar a história:
- minha cidade é muito pequena e quase todos vivem uma vida baseada nas novelas, sonhando em sair de lá.  Eu. . . eu . . . eu era apenas mais uma sonhadora. A vida na minha cidade não cabia em mim.  Meus pais me advertiam mas nada fazia sentido, eu só pensava em sair de lá. Hoje percebo que fui muito influenciado pelas novelas, pelo glamour da cidade grande.  Lá, tudo  aqui é maravilhoso, tudo é . . . um sonho.
Voltando a abaixar a cabeça e largando a minha mão para secar os olhos recaiu para trás no banco como alguém que perdera as forças.
Resolvi tocar-lhe nos ombros, acalentando, tentava afastar a tristeza. Mas minhas palavras não saiam e por mais que milhões de outras palavras surgissem, nenhuma delas tinha força de chegar aos ouvidos dela.

Ele continuou, dizendo:
- Conheci pela internet um cara que parecia ser tão legal.  Falava coisas tão bonitas, mostrava interesse em tudo que fazia.  Ele dizia que sempre quis conhecer uma menina como eu . . .

A pausa soou como uma grande interrogação.  O que ela veio fazer aqui? Será que aconteceu alguma coisa?  E agora, o que perguntar?  O que fazer?

 . . . continua







quarta-feira, 19 de abril de 2017

O ENCONTRO - Capítulo I - Página 1

Capítulo I
      O ENCONTRO


     Ela estava ali, sentada, mãos que se esfregavam asperamente, pés que não sabiam onde parar e cabeça baixa como alguém que tenta achar resposta no vazio.  Eu, em frente a ela, esperando uma oportunidade do acaso, para perguntar se podeira ajudar. Até que . . . uma voz feminina, com pouca compreensão diz que a composição apresentou avaria e estava esperando conserto.  Em meio a tantos burburinhos de reclamações asperizadas, empurrões a pessoas que não tinham nada a ver com o problema, percebi que o vagão estava quase vazio e o acento ao lado dela estava vago. Exitei em sentar ou não sentar.. . a final era uma oportunidade que tanto pedia a mais de três estações.
      Assim como quem pede socorro, ela olhou para cima e dentro dos meus olhos disse tudo que minha mente poderia entender.  Subitamente, sentei ao seu lado, e com a voz, entre o certo e duvidoso, perguntei:  
- posso ajudar em alguma coisa?
Um longo silêncio tomou conta de uma conversa que  nem mesmo havia começado.  Meu coração pulsando acelerado, como me dizendo: pergunta de novo.  Até que tomei coragem de perguntar e entre meu abrir da boca e saída das palavras, ela numa pequena parada de seus incontáveis acessos de nervosismo, mesmo com a cabeça baixa, diz:
- como? Será que você consegue?

Um repentino apagão em minha mente se deu, ao mesmo tempo em que me perguntava porque estava tão nervoso.  E sem abrir mão do costume carioca de falar, toquei-lhe o ombro e disse:

- ao menos posso tentar. 

Minha mente trabalhava respostas em uma velocidade computacional, mesmo não havendo mais perguntas a serem respondidas.  Até que ela levanta a cabeça lentamente, e com os olhos marejados de aguá, que, como fisicamente impossível, não caiam dos olhos me diz:

- bom dia, sou Rita . . . e  . . . e  . . . preciso de muita ajuda. . . mas acho que só D'us poderá fazer.

Não sei de onde tirei tanta ousadia, disse: 

- não sou D'us, mas sou filho dele, e tenho certeza que ele me ouve eu se pedir algo.

Foi então que algo inimaginável, ao menos naquele momento, se deu.  Ela sorriu, recostou-se no banco, e deixou seus olhos perceberem todo entorno, onde pouquíssimas pessoas estavam ao nosso redor, davam a nós dois uma atmosfera necessário àquela conversa.

- que bom, então ele também me ouviu.  Estava pedindo que ele me mandasse um anjo.

Sorri como nunca fizera antes e não deixei o silêncio atrapalhar a conversa.

- não sou louro de cabelos encaracolados, mas tenho todo tempo do mundo para te ouvir e juntos falarmos com D'us.
Ela indagou o porquê do trem estar vazio, para onde eu estava indo, se tinha tempo de ouvi-la e com uma frase animadora disse:
- bem, como disse, meu nome é Rita, sou de uma cidade muito interiorana do Rio de Janeiro, onde nem internet tínhamos direito.


. . . continua










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