Por um momento voltamos a realidade
que estávamos em um trem quando um ambulante entrou gritando, propagando suas
mercadorias. Após o susto, rimos e continuamos a conversa:
–Se eu tentasse pegar o ônibus, meus pais saberiam em 15 min e
algum amigo deles logo estaria lá na rodoviária para me impedir de viajar.
Minha cidade é muito pequena.
–Mas o que você fez era perigoso. Seu tio não percebeu
nada?
–Não, ele é meio surdo (risos). Não sei nem como ele ainda
consegue dirigir caminhão, ele é muito barbeiro... eu entrei e saí e ele não
percebeu nada.
–E quando chegou aqui, o que fez? Onde ficou?
–Eu tinha o endereço dele, mas não conhecia nada por aqui.
E para piorar, assim que cheguei me roubaram o pouco que tinha.
Consegui um lugar que tinha WiFi e tentei falar com ele, mas ele não me
respondeu. Enviei várias mensagens, até tentei ligar, mas sempre dava
caixa postal. A princípio achei que ele tivesse com algum problema no celular.
É que na minha cidade o celular vive mais com problemas do que funcionando.
–Isso não é privilégio só da sua cidade.
–Até que consegui falar com ele, mas ele me tratou diferente
quando disse que estava no Rio e não tinha onde ficar. Disse que tinha que
desligar e me ligaria.
–Ele
ligou?
–Não,
mas me respondeu no WhatsApp...
Mais
uma vez ela pausou sua fala, que naquele momento me parecia de ser de vergonha,
mas continuou
–ele
um dia me chamou no WhatsApp e disse que não era uma boa ideia eu ter vindo,
pois a mãe dele não iria me aceitar na casa dele. Que se eu tivesse alguma tia ou outro parente
qualquer, daria para ele me visitar. Então perguntei o que iria fazer
agora? Ele me disse para me virar e me
bloqueou.
Subitamente um ódio me sobreveio e se tivesse superpoderes
iria voando até esse cara e quebraria a cara dele. Mas não era super-homem nem teria coragem
para isso. Voltando a minha realidade
perguntei:
–E
então, o que você fez?
Resignada, me olhou de uma forma envergonhada e com
a cabeça baixa, falou sussurradamente
–Não
fiz. Há três dias que ando de trem de um lado para o outro. Estive em algumas igrejas para ter o que
comer.
–E
onde você dormia?
–Conheci
umas meninas que me levaram para dormir numa igreja. Por fim, consegui juntar
um dinheiro para comprar a passagem de volta...
Um misto de preocupação e curiosidade me bateu e
tive que perguntar
–Lá
onde morava, na escola, aprendi a fazer crochê e com um pouco de dinheiro que
ainda tinha, comprei no Centro umas linhas e agulhas e fiz umas toucas. Vendi
todas. Na verdade, eu pensei que todo meu dinheiro tinha sido roubado, mas
descobri no fundo de minha mochila. Juntei tudo e vi que dava para voltar. Nem
sei se tem ônibus para minha cidade.
– Tem
sim, aqui tem ônibus para todo lugar – de repente, um sacolejo e muitas
pessoas correndo de volta para dentro do trem, e a voz mal compreendida anuncia
que a composição estava de volta ao itinerário.
Junto com todas essas pessoas, entrou uma senhora e
me senti na obrigação de ceder o lugar para ela e quando vi, havia tanta gente
que ficou impossível poder continuar a conversar. Acabei por permitir que me
empurrassem para longe. A preocupação foi iminente em não poder estar perto
dela. Enfim, haviam várias pessoas entre ela e meu sonho.
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