Enquanto meus olhos teimavam em embaçar as lentes
dos meus óculos, como uma forma proposital de impedir de ler aquele bilhete,
que por razões incoerentes mas racionalmente incompreensível, tinha grande
expectativas, Por instantes divaguei. Enquanto desdobrava o bilhete,
meticulosamente dobrado como a roupa de uma passadeira que depende do seu
emprego para levar o sustento a casa, lembrara que em apenas um dia meu coração
se encantara por uma menina que aparentava tristeza, mas exalava doçura, tal
qual o perfume do nardo de alabastro que invadiu a casa de Simão. Suas mãos,
que se esfregavam numa sintonia insana, me encorajaram a conhecê-la e agora eu
estava a segundos de saber se minha quimera se transformaria em realidade.
Abri o bilhete e comecei a ler.
“Oi, desculpe ter saído assim, você foi tão bom
comigo que eu não queria abusar mais da sua bondade.
Eu sou um problema, fugi de minha casa e estou
tentando voltar e não poderia te envolver ainda mais nas minhas atrapalhadas.
Assim que te encontrei, a primeira coisa que você
falou, foi D’us ouvir suas orações, isso aconteceu justamente quando ele ouviu
a minha em enviar alguém para conversar comigo, pois estava quase desesperada.
Talvez você
nunca saiba o quanto me ajudou naquele momento e sei que está disposto em me
ajudar, para isso gostaria que orasse para que meus pais me perdoassem por tudo
que fiz.
Muito obrigada, se um dia for a Macuco, pode me
procurar vou ter um enorme prazer em recebê-lo.
Meu número é...”
Faltavam os dois números finais. Que isso! Disse em pensamento, de uma forma que muitos
me olharam assustados. Eu não sabia se estava falando sozinho ou pensando
alto. Fiquei desconsertado pela reprovação.
Continuamente sacudia o bilhete como se os números
pudessem reaparecer daquela parte em que o perfume da senhora apagou os dois
últimos números.
O que fazer?
Ligar para todas as possibilidades? Mas seriam cem números a ligar, não
teria crédito para isso. O que vou
fazer?
Apressei-me em chegar ao meu trabalho porque estava
muito atrasado e talvez alguém lá pudesse me dar uma sugestão. Meus passos apressados desviando das pessoas
na calçada, lembrava os bons tempos de Mario Andretti na fórmula Indy, quando
em circuitos ovais, saia em uma posição bastante desfavorável e necessitava de
velocidade e técnica para chegar à frente.
Depois de muitos passos largos para chegar ao meu
trabalho, ao longe vi uma longa fila para usar o elevador, percebi que eu não era
o único a chegar atrasado. Era esperar
ou subir quinze andares. Não, não
conseguiria, vim mais rápido que pude, estava ofegante, suado e desalinhado. Em
meus pensamentos não sabia se estava vindo rápido para não chegar tão atrasado
ou por ter a esperança de que alguém me ajudaria a descobrir os números que
faltavam no bilhete.
Não sabia qual era a maior incógnita, o bilhete
faltando dois números, ou meus pensamentos desencontrados.
Escreva que eu leio e respondo. . . mas ñ xingue
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